Qual o papel das universidades na mobilização climática? Ou ainda, considerando as particularidades e os desafios únicos da nossa região, como as universidades latino-americanas podem contribuir com a transição para um desenvolvimento mais justo e sustentável? Essas questões nortearam boa parte das discussões ocorridas no Pavilhão das Universidades da COP28 (Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas).
Uma das missões da comitiva da Unicamp em Dubai (Emirados Árabes), palco da COP28, era justamente compartilhar experiências e conhecer iniciativas mais próximas da realidade brasileira. A preocupação da Universidade com a problemática socioambiental e seu compromisso com a justiça ambiental têm sido contemplados por meio de uma série de iniciativas e projetos, incluindo o Plano Diretor da Unicamp (PD-Integrado), concebido para balizar a ocupação e eventual expansão dos campi, estabelecendo princípios, diretrizes e normas de desenvolvimento territorial voltados à sustentabilidade, a criação da Coordenadoria de Divisão de Sustentabilidade (CSUS), que abriga o Escritório Campus Sustentável, e o projeto do HUB Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS).
Uma das iniciativas acadêmicas voltadas para a transformação das cidades em espaços mais sustentáveis, humanos e prósperos em termos de soluções em urbanismo sustentável, apresentada no Pavilhão das Universidades, é do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey (Tec Monterrey, México), onde foi criado o Centro para o Futuro das Cidades. Naquele país, 74% da população vive nas cidades.
“Monterrey é um exemplo dos inúmeros desafios que os grandes centros urbanos têm que enfrentar: com perfil predominantemente industrial, a cidade convive com problemas relacionados à qualidade do ar, a ilhas de calor e à seca”, contou Perla Martinez, gerente de operações do Centro para o Futuro. “Nossa atuação, por meio de pesquisas interdisciplinares, execução de projetos e geração e difusão de conhecimento, busca gerar soluções e impactar políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas em nossa cidade e ser referência para o resto do país”, afirmou. Monterrey é uma das maiores e mais populosas cidades do México. Localizada na região nordeste do país, a metrópole, em 2022, enfrentou uma seca histórica, com quase 90 dias sem chuvas. Este ano, os picos de temperatura ultrapassaram os 40oC, gerando apagões na rede elétrica por conta do uso intenso de aparelhos de ar-condicionado.
Limites do crescimento
Agravados pela crise climática, os problemas de hoje são resultado de um processo de expansão urbana iniciado ainda na década de 1980 e baseado, fortemente, nos automóveis. “Hoje dependemos do carro para qualquer deslocamento, com forte impacto negativo na qualidade do ar. Mais recentemente, passamos a vivenciar uma nova onda de empresas chegando para se instalar aqui, o que tem gerado grande preocupação da população por conta da escassez de recursos, especialmente de água”, pontuou Martinez.
A Tesla é uma das empresas que anunciaram a instalação de uma fábrica de carros elétricos na cidade. “O governo tem celebrado a chegada da empresa norte-americana, apontando para a ampliação da energia elétrica na matriz energética do país, mas, se pensarmos nos problemas da cidade, não temos água, o ar é poluído, as temperaturas estão aumentando e a comunidade não terá acesso aos carros elétricos da Tesla. Não é possível considerar um projeto como esse sustentável”, afirmou. “É urgente entender que há limites para crescer. Você não pode pensar o crescimento das cidades como há 30 anos.”
Lições para o HIDS
Conceitos da Cidade de 15 Minutos e de laboratórios vivos norteiam boa parte das pesquisas e dos projetos do Centro para o Futuro. Eles foram aplicados na criação do DistritoTec, um projeto de regeneração urbana elaborado em parceria com o poder público e envolvendo o campus do Tec Monterrey e 24 bairros da área.
Iniciado em 2013, ele conta com uma equipe dedicada, responsável pela elaboração de um novo plano diretor para o campus, com um financiamento inicial de US$ 200 milhões vindos da universidade.
Em 2015, a Câmara Municipal de Monterrey aprovou o Programa de Desenvolvimento Urbano Parcial para o DistritoTec, estabelecendo diretrizes e estratégias para o uso misto e para aumentar a densidade populacional do distrito. Isso abriu caminho para o início das mudanças físicas ocorridas ali. Uma das primeiras missões foi redesenhar os limites do campus do Tec, removendo as cercas e os muros e criando quatro pequenos parques. Com financiamento da prefeitura, a alteração da paisagem incluiu melhorar cerca de 3 quilômetros de ruas, tornando-as mais amigáveis para os pedestres.
De acordo com Martinez, o projeto criou oportunidades para o envolvimento da comunidade desde o início, incentivando a formação de comitês de bairro com a possibilidade de participação no conselho do DistritoTec. “Temos uma base de servidores da universidade no meio da comunidade que coleta informações e as leva para as autoridades. Estamos criando uma relação de confiança com a população da área para que a infraestrutura do distrito reflita as necessidades apontadas pela comunidade”, contou.
Ciente de que o distrito necessitaria de apoio municipal para concretizar as mudanças desejadas, esse conselho solicitou que o DistritoTec fosse reconhecido formalmente pela prefeitura como uma área de requalificação estratégica, o que aconteceu em 2018. No ano seguinte, o governo municipal aprovou um fundo público para o distrito possibilitando que parte da receita gerada ali seja reinvestida na infraestrutura do próprio espaço público.
As modificações no desenho urbano viram-se complementadas por eventos culturais como cinema ao ar livre, concertos musicais, feiras de comércio noturna e mostras de arte. Por conta da queda nos índices de violência, empresas voltaram a se interessar pela área, gerando investimentos privados da ordem de US$ 500 milhões para melhorias na infraestrutura no distrito. Na fase atual do projeto, a universidade e a prefeitura trabalham para transformar o DistritoTec em um distrito de inovação, no qual as pesquisas produzidas pela academia informarão diretamente o desenvolvimento urbano. O DistritoTec também inspirou o campus irmão da Tec Monterrey na Cidade do México, que deve iniciar um projeto semelhante, o Distrito de Inovação de Tlalpan, consolidando um caso de projeto bem-sucedido liderado por uma universidade.
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