Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), ligado ao Ministério da Saúde, o câncer é o principal problema de saúde pública no mundo e já está entre as quatro principais causas de morte prematura (antes dos 70 anos de idade) na maioria dos países. No Brasil, a estimativa é que em 2029, o câncer supere as doenças cardiovasculares como principal causa de morte entre os brasileiros. Em 10% dos municípios (concentrados nas regiões Sul e Sudeste) ele já é a principal causa. Acontece que o câncer é uma doença diretamente relacionada com fatores de risco e esses fatores podem ser tratados de forma preventiva. Qual é a relação disso com um laboratório vivo?
“Uma abordagem de prevenção e predição em saúde, tanto em nível primário quanto em nível secundário, depende de analisar a evolução de um grande número de pacientes, e isso só é possível em um laboratório vivo”, disse o médico David Livingstone. Ele é presidente do IPEC (Instituto para a Pesquisa do Câncer), um laboratório vivo para pesquisa e tratamento do câncer que está sendo estruturado em Guarapuava, Paraná, a partir de uma parceria público-privada, com investimentos do governo estadual, da prefeitura e da iniciativa privada. Sua missão é desenvolver pesquisa básica e aplicada voltada ao diagnóstico, prognóstico e tratamento do câncer e doenças de base genética, além de promover a formação especializada em medicina de precisão.
Trata-se de uma iniciativa que pode servir de modelo para um laboratório vivo na área de saúde e bem-estar no HIDS. Essa e outras propostas para a área de saúde foram discutidas em um painel dentro da programação da HealthTech Conference online, que aconteceu no último sábado, 22.
Mediado pelo professor Marco Aurelio Pinheiro Lima, coordenador do projeto do HIDS na Unicamp, o painel sobre laboratórios vivos na área da saúde contou com a participação do professor Henrique Sá Earp, professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), da Unicamp, de Tsen Chung Kang, professor da Fatec Shunji Nishimura e diretor de pesquisas de novos negócios do Grupo Jacto e do professor da Unicentro e presidente do IPEC, David Livingstone A. Figueiredo. Para assistir o painel clique aqui.
Prevenção – Com um modelo fortemente integrado com o usuário, o HIDS pode ser um território para testar modelos de saúde preventiva. Segundo David Livingstone, alguns tipos de câncer, o fator de risco é 100% atribuível. Um exemplo é o câncer de colo de útero, que tem como causa a presença do HPV. “Medidas preventivas como a vacinação podem resultar na extinção da doença”, explicou. Outras doenças degenerativas, como hipertensão e diabetes, mudanças na alimentação e no estilo de vida, também têm forte impacto. Daí a importância de um laboratório vivo para monitorar a população e estabelecer estratégias de prevenção. “Além do impacto na saúde, essas medidas têm um impacto direto no custo do tratamento porque tratar um tumor no estágio inicial é muito mais barato do que o tratamento nos estágios mais avançados”, acrescentou o médico. Ainda segundo ele, não é possível avaliar os efeitos de mudança de hábitos (como na alimentação ou da inclusão de atividade física), em grupos pequenos. “Isso reforça a necessidade um laboratório vivo, com grande amostra populacional, onde seja possível fazer monitoramento em tempo real, agregar projetos de educação em saúde e metodologias de diagnóstico precoce e prevenção secundária, impactando a saúde do paciente e o custo econômico para o SUS”, disse.
Uma premissa importante nesse sentido é que todo laboratório vivo é interdisciplinar, isto é, envolve diversas expertises. No caso do IPEC, está sendo desenvolvida uma plataforma de genômica para coletar dados de cinco mil pessoas. Essas informações serão complementadas com dados clínicos e de laboratório. Para lidar com todo esse conteúdo o Instituto contará com tecnologia de inteligência artificial para cruzar as informações e, então, gerar propostas de intervenção junto à população.
A Unicamp coordena uma iniciativa nesse sentido, o Brazilian Institute of Data Science (BIOS). Em parceria com a consultoria de transformação digital, Templo, o BIOS é um laboratório vivo de inteligência artificial para difundir conhecimento aplicado, gerar soluções para problemas em larga escala e conectar corporações, start ups e o poder público. “Uma das nossas trilhas de pequisa é justamente a interface da inteligência artificial com a área de saúde”, contou o professor Henrique Earp, gestor executivo do projeto. Segundo ele, um dos objetivos do BIOS é criar um sistema ou repositório nacional de dados (data lake) da área de saúde.
Cultura de inovação – Consolidar um laboratório vivo depende de fatores-chave, segundo o engenheiro e professor da Fatec, Tsen Chung Kang: ter um “problema bom”, cuja solução envolva o teste de tecnologias chave, como inteligência artificial, genômica e biotecnologia e que dependa de interação social e mudanças de comportamento. “As parcerias público-privadas são muito bem-vindas em um laboratório vivo porque nelas é possível estabelecer uma governança onde há ganhos para todos os atores: a empresa, o governo e a população”, afirmou.
Por Patricia Mariuzzo
Na foto: Instalações do Instituto de Pesquisa para o Câncer (IPEC) e obras do setor de radioterapia nas futuras instalações do Hospital do Câncer, Unidade II do Hospital São Vicente de Paulo, na Cidade dos Lagos, em Guarapuava. Foto: Geraldo Bubniak/AEN.