Um consórcio internacional formado pelo Brasil, China, Estados Unidos e Reino Unido está avaliando cenários para a produção agrícola baseando-se no conceito de teleacoplamento, ou telecoupling. O método permite a observação de impactos econômicos, sociais e ambientais de atores situados a longas distâncias entre si (tele), mas que estão de alguma forma conectados (acoplados). São exemplos: como o mercado internacional de commodities pode afetar a produção brasileira de soja e milho, ou como as mudanças globais podem impactar a produção agrícola brasileira?
O consórcio internacional Telecoupling possui foco em segurança alimentar e uso da terra em longas distâncias e, no caso da participação brasileira, busca entender como ações locais e globais afetam a tomada de decisão de produtores de soja e milho em dez estados do centro-sul brasileiro, abrangendo uma área de quase 4 milhões de quilômetros quadrados, responsável por 80% da produção nacional desses grãos.
O intuito foi construir um arcabouço metodológico para prever, em escala local e regional, os potenciais efeitos nas mudanças de uso da terra no Brasil provocados, por exemplo, pelo fluxo de commodities agrícolas entre o País e a China.
Um modelo para o Brasil – Um dos maiores resultados do trabalho foi a criação do Crafty Brasil, modelo que analisa alguns cenários e suas consequências na mudança de uso da terra até 2030. Com isso, é possível contribuir para a avaliação de riscos. O modelo é baseado em agentes e envolveu o diálogo com os principais atores relacionados ao tema (stakeholders).
Entre os cenários observados, considerando comércio internacional, produtividade, demanda, entre outros fatores, os que têm maior probabilidade de afetar o uso da terra nos estados que integram o estudo são aqueles relacionados às mudanças climáticas. A base inclui os dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e muitos outros, como custo de transporte e capital natural, para simular respostas na produção de grãos na região centro-sul.
O diferencial no uso da abordagem do teleacoplamento é que o foco das análises reside na cadeia produtiva e não apenas nas decisões dos agentes individuais, como produtores agrícolas, já que esses grupos agem e reagem ao mercado e à legislação ambiental, por exemplo. “Em geral, os modelos baseados em agentes são mais restritivos, pois levam em conta apenas as tomadas de decisão dos indivíduos, como a disposição de um produtor de Mato Grosso em aumentar a área plantada”, explica o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Mateus Batistella.
A consolidação do estudo resultou em abordagens inovadoras, baseadas nas interações socioeconômicas e ambientais entre sistemas humanos e naturais acoplados. Os resultados foram divulgados em uma série de publicações internacionais e no site do projeto, contribuindo para outras investigações interdisciplinares e multiescalares, além de apontar caminhos para a pesquisa agropecuária, como a busca por espécies vegetais mais resistentes à seca, por exemplo.
Telecoupling – O conceito tem origem na ciência do sistema terrestre e integra outros conceitos das ciências naturais e sociais, como a teleconexão e a globalização, respectivamente. Por isso, técnicas avançadas de modelagem e simulação são necessárias para ajudar a compreender a gama de resultados possíveis devido a essas complexas relações multiescalares.
Os trabalhos costumam abordar, por exemplo, fluxos de comércio, trocas de informação, dispersão de espécies em escalas regional, nacional e internacional e várias outras informações de diferentes áreas do conhecimento. Ao lado da China e dos Estados Unidos, o Brasil é um dos pioneiros na produção de estudos com telecoupling.
O método se baseia em sistemas exportadores (sending systems), importadores (receiving systems) e afetados (spillover systems), assim como os fluxos entre esses sistemas, seus agentes, causas e efeitos. Por exemplo, é fundamental compreender como a dinâmica do uso da terra é afetada por interações socioeconômicas e ambientais em grandes distâncias, como os impactos do comércio global de alimentos.
Os cientistas alertam que a pesquisa tradicional de comércio internacional tem se concentrado nas interações socioeconômicas entre os parceiros comerciais. As interações humanas e a retroalimentação em múltiplas escalas através das fronteiras raramente são consideradas.
Entretanto, a segurança alimentar e o uso da terra estão inerentemente vinculados em várias escalas espaciais, temporais e organizacionais. Assim, entender a complexidade dos sistemas teleacoplados é indispensável para enfrentar alguns dos maiores desafios mundiais, como mudanças climáticas, bem-estar social e sustentabilidade, por exemplo.
Com o aumento das interações e da complexidade das relações em todo o planeta, os pesquisadores afirmam ser essencial uma abordagem de integração de sistemas para melhor compreender os processos de um mundo ‘teleacoplado’ e assim apoiar políticas eficazes e avanços científicos.
Dessa forma, o estudo se pautou por uma análise mais abrangente dos processos, considerando não apenas a classificação dos produtores e suas decisões, mas os tipos de processos produtivos empregados (a produção de uma ou duas safras, por exemplo) e sua conexão com as dinâmicas dos sistemas produtores e importadores. “Essa visão mais abrangente pode contribuir para apoiar políticas mais assertivas de desenvolvimento sustentável”, aponta Batistella.
Para o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Embrapa Informática Agropecuária, Stanley Oliveira, o estudo apresentado é de grande importância para a Embrapa, pois conecta a Empresa com parceiros nacionais e internacionais, aumentando não só a presença internacional, mas também fortalecendo as relações com instituições renomadas. “Do ponto de vista científico, é importante a contribuição do arcabouço metodológico, com a inserção de abordagens inovadoras que agregam a força de técnicas avançadas como modelagem e simulação, visualização de dados, sensoriamento remoto, entre outras. Outro aspecto positivo é a abordagem de demanda por commodities produzidas pelo Brasil, como o milho e a soja, com um olhar integrado nas cadeias produtivas e não apenas nas decisões dos agentes individuais”, avalia Oliveira.
Quem participa – O Telecoupling é um consórcio internacional envolvendo Brasil, Estados Unidos, China e Reino Unido, com apoio do Belmont Forum, órgão de fomento do Future Earth. Realizado por meio de colaborações entre pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento científico e tecnológico, é financiado no Brasil pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A parceria brasileira é formada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, Embrapa Informática Agropecuária e Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP). São parceiros internacionais a Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos; a Universidade de Oxford, o King’s College e o Imperial College, de Londres; a Universidade de Edimburgo, no Reino Unido; além da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (CAAS), Academia Chinesa de Ciências (CAS) e Universidade Agrícola da China (CAU).
Por Nadir Rodrigues – Embrapa Informática Agropecuária
Publicação original disponível no site da Embrapa