Em geral associamos parques tecnológicos e territórios do conhecimento com espaços super urbanizados, que abrigam empresas, universidades e centros de pesquisa e onde são geradas tecnologias e soluções inovadoras. Mas será que um território do conhecimento poderia conciliar a urbanização com o meio ambiente, mantendo áreas verdes para outras atividades como, por exemplo, para a produção agrícola? Pesquisadoras do Centro de Estudos sobre Urbanização para o Conhecimento e a Inovação, o CEUCI, estão estudando a viabilidade da inserção de atividades agrícolas em áreas urbanas e periurbanas utilizadas para implantação de parques tecnológicos e territórios do conhecimento. Para a pós-doutoranda do CEUCI, Laura Carvalho, distritos de inovação são uma oportunidade para a implantação de infraestruturas verdes produtivas. No caso do HIDS, pelo seu potencial socioeconômico e tecnológico, de articulação entre múltiplos atores, infraestrutura e inovação, é possível vislumbrar a criação de um Distrito de Inovação Alimentar.
Em parques tecnológicos, a produção agrícola urbana e periurbana possui enorme potencial para integrar as práticas já existentes ao planejamento urbano sustentável na construção das cidades do conhecimento e hubs de inovação em planejamento territorial, produção de alimentos, participação popular, geração de renda, redução de pobreza e desenvolvimento de novas tecnologias.
A atividade agrícola contribui para minimizar o avanço da urbanização, reduzir a impermeabilização das cidades e preservar áreas verdes e mananciais de água. A produção de alimentos e mesmo de plantas ornamentais no contexto urbano também apresenta vantagens logísticas, reduzindo os custos e os impactos do transporte desses produtos até pontos de venda e até o consumidor. Há ainda redução de perda de alimentos que acontece ao longo da cadeia de armazenamento e transporte.
Urbano e rural juntos – Já existem experiências de agricultura urbana e periurbana (AUP) em grandes cidades. Um terço do território da cidade de São Paulo é rural, sendo boa parte da produção agrícola nestes locais baseada em agricultura familiar. A plataforma Sampa-Rural, que reúne iniciativas de agricultura, turismo e alimentação da capital paulista, contabiliza 287 hortas em equipamentos públicos e outras 150 hortas urbanas.
Campinas também tem um projeto de implantação de hortas comunitárias como parte do programa “Campinas Solidária e Sustentável”, instituído pela Lei Municipal 16.183/2021. O objetivo é potencializar a atividade de AUP no município “para a garantia de segurança alimentar e nutricional, geração de renda, e preservação ambiental através da agricultura sustentável e organização coletiva e comunitária da população”, conforme descreve o texto do projeto, que está a cargo da Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional da Prefeitura. Já são oito hortas implantadas, sendo a última em julho de 2023, no Jardim Florence, no Distrito de Campo Grande. De acordo com a coordenadora do Programa Agricultura Urbana de Campinas, Mariana Maia, nesta horta houve a mobilização de mais de 70 pessoas da comunidade, 75 espécies plantadas e mais de uma tonelada de resíduos compostados.
Na França, no cluster de tecnologia de Paris-Saclay, área periurbana de Paris, parcerias e colaborações com múltiplos atores, incluindo agricultores e coletivos da região, viabilizaram uma gestão mais equilibrada entre os territórios rurais e urbanos. Situada ao sul da capital francesa, a região desenvolve atividades agrícolas desde a Antiguidade. Para garantir a manutenção das operações agrícolas e a preservação de áreas verdes no território, em 2010, foi aprovada uma lei que criou a Zona de Proteção Natural, Agrícola e Florestal (ZPNAF). A Lei torna não urbanizáveis os espaços naturais e agrícolas que a compõem, preserva as operações agrícolas na área, conciliando a agricultura com o meio ambiente e favorece a implementação de uma gestão otimizada das áreas arborizadas, naturais e agrícolas do território. Ao manter as atividades rurais em meio centros de produção do conhecimento e de tecnologia, Paris-Saclay adquiriu uma identidade única, consolidando a região como um território de conhecimento de quarta geração, com benefícios para os agricultores, bem como nas atividades de ensino, pesquisa e extensão e na geração de tecnologias.
Ademais, são promovidos acordos de parceria com atores locais junto ao VivaAgriLab, um laboratório vivo que organiza encontros entre pesquisadores acadêmicos e atores locais e parceiros. Este dispositivo incentiva, por meio de uma abordagem multisetorial, os atores públicos, privados e cidadãos a trabalharem em conjunto em projetos que contribuem para a transição ecológica, agroecológica e alimentar do território.
Um distrito de inovação alimentar no HIDS – O HIDS pode se aproveitar dos atores já existentes no território para ser um distrito de inovação alimentar, desenvolvendo novas tecnologias ou mesmo combinando e aplicando conhecimento, técnicas e recursos humanos já disponíveis no território em projetos de agricultura urbana.
Segundo Laura Carvalho, entre as características que descrevem um distrito de inovação alimentar estão a concentração geográfica de negócios, serviços e atividades comunitárias orientadas para a alimentação, a existência de serviços como mercados, incubadoras de empresas alimentares e instalações para necessidades comuns de armazenamento, embalagem e distribuição. São espaços que promovem ambientes de negócios positivos, estimulando o desenvolvimento do sistema alimentar local e regional, aumentando o acesso aos alimentos produzidos e onde a colaboração empresarial cria oportunidades para agregação de produtos, partilha de informações e parcerias em eventos e promoção de mercado. “Estes distritos também proporcionam um terreno fértil para o crescimento de centros alimentares regionais e para o surgimento de empreendimentos alimentares e agrícolas relacionados e de canais de mercado”, apontou a pesquisadora do CEUCI.
A partir de um mapeamento de estabelecimentos comerciais de produção, venda e distribuição de alimentos próximos à Unicamp, Carvalho pontuou que a região tem um forte potencial para inovação na área de alimentos, para otimizar os negócios existentes e de criar novos.
Um projeto de AUP em territórios de inovação é sempre um projeto de projetos de articulação de atores. Uma abordagem que pode colaborar nesta articulação é o de laboratórios vivos onde poder público, empresas, startups, centros de pesquisa e comunidade podem se envolver no desenvolvimento dessas iniciativas, aprender em conjunto, trocar conhecimentos e aprimorar o desenvolvimento do Distrito de Inovação como um todo.
Produção agrícola e infraestrutura verde urbana – Nesse sentido, estabelecer um marco legal específico para gerir atividade de AUP em territórios de conhecimento é um caminho para dar segurança jurídica à essas iniciativas. Políticas públicas também podem colaborar na organização de feiras de agricultura familiar, regulares e itinerantes pela cidade e na formalização de convênios com agricultores familiares para destinação da produção como merenda escolar para escoamento da produção de alimentos. Além disso, no caso do HIDS, caberia ao poder público fazer um mapeamento das áreas de vulnerabilidade dentro e no entorno do HIDS para implementação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) com envolvimento das populações locais, assim como mapeamento de potenciais parceiros e demais atores sociais interessados em projetos dessa natureza.
A manutenção e ampliação de infraestrutura verde nas cidades é fundamental para reduzir os impactos da emergência climática. A agricultura é instrumento de planejamento urbano que poderia ser mais incorporada como elemento da infraestrutura verde produtiva urbana, em estruturas como telhados verdes, fazendas urbanas, paisagismo comestível etc. Um distrito de inovação apresenta enorme oportunidade para a implantação de infraestruturas verdes produtivas.
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Por Patricia Mariuzzo